Quando um amigo parte para o Mundo Maior, um pouco de nósparte também. O amigo completa nossa existência, alimenta nosso cotidiano. Écom ele que dividimos nossos encantos e desencantos. Não existe medida maiorpara a grandeza de um caráter do que o poder de saber fazer amigos. É por issotudo que nesta data, 4 de janeiro de 2018, lembro-me com emoção do médico,intelectual, político e antes de tudo, amigo, Jacob Freitas Atallah – 30 dias desua partida para o Mundo Espiritual. O fiel amigo de seus amigos, a quem todosconquistava pela firmeza de seu caráter, humanidade médica e postura como homempúblico, com sua inteligência vibrante e expansiva superava o próprio tempo,colocando-o no plano de igualdade e perfeita identidade de ideais com os jovensque na eleição de 1986, votaram nele, para governador do estado. Porto Velho,Guajará-Mirim, cidades tradicionais e Ariquemes o consagraram governador. Se acampanha houvesse demorado mais alguns meses, certamente atingiria outrosmunicípios. O poder que tinha de se dar, de se entregar e de se pronunciar eramarcante. Jacob eleito, o destino de Rondônia teria sido mais promissor.
Homem da Amazônia, em tudo e por tudo, nele vivia umrondoniense que amou profundamente sua terra maltratada culturalmente pelosdesígnios dos maus políticos. No seu ativismo espontâneo pela nossasobrevivência histórica, sua administração na Secretaria de Educação doTerritório Federal de Rondônia (1979/1980), apesar de muito curta, foi diferenciada.A título de exemplo, citamos sua assessoria na área do Patrimônio Histórico,época em que iniciamos o resgate histórico da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré;foi elaborado o primeiro Calendário Escolar e Cultural (1980), tendo umamensagem de Atallah que em um dos trechos ressalta: “Nosso objetivo é o de divulgar para cada escola do Território, umreferencial teórico de orientação, onde estão englobados temas os maisdiversos, proporcionando um instrumento de racionalização dos educadores”.Mais adiante prossegue: “Os temas aquiexpostos não só dizem respeito a datas e fatos históricos, divulgando entre ajuventude os eventos passados para uma melhor compreensão do mundo atual, comotambém se reportam a assuntos culturais, levando a juventude a pensar eentender o seu mundo real, a se interessar pelas expressões representativas dacultura brasileira”. O primeiro plano da política cultural foi iniciado,esforço encetado no sentido de ordenar o desenvolvimento cultural de Rondônia ea preservação do seu patrimônio histórico material e imaterial. Jacob Atallahafirmou no curso propiciado “Fundamentos da Cultura Rondoniense”: “A política partidária divide ainda mais quea política econômica. A cultural é a que conjuga. Em torno das criações doespírito e da inteligência trabalhada pelo estudo sério, as criaturas se unem,porque enfim se entendem. Ninguém, se normal, impugna a cultura”.
Permitimo-nos recordar, no tocante a política partidária,Jacob Freitas Atallah foi uma presença determinante como deputado constituinte,uma presença renovadora, um homem de ação, além de grande homem de estudo,participante até de conflitos da sua época, através de atitudes incisivas ecorajosas, ligadas às suas maneiras de pensar, seus modos de agir. Suadignidade e independência, de sabedoria e justiça, realçou-lhe o laborconstrutivo, transparente em seus discursos equilibrados, constatando-se aagudeza, seu espírito crítico e a linguagem adequada, reivindicandomelhoramentos para a solução dos interesses econômicos, sociais e culturaispara seu povo. Sua palavra desdobrava-se em imagens, comparações, citaçõeshistóricas e culturais. Era a época dos grandes oradores, eufóricos eeloquentes, além de Jacob Freitas Atallah, os deputados Amizael Gomes da Silva,Cloter Mota, José Abreu Bianco, Tomás Correia e Amir Lando.
Membro fundador do Instituto Histórico e Geográfico deRondônia (seu primeiro presidente), lembro-me de que em uma das reuniões dainstituição, indaguei-lhe porque não escrevia livros, respondeu com muito bomhumor: “Autor de livro é como cantador,só presta bom”. O senso de responsabilidade e o escrúpulo exagerado otornaram exigente com seus trabalhos. Lamentamos sua teimosia em não publicarum livro, atendendo às solicitações que lhe eram feitas. Muitas vezes aoencontrá-lo, comentava: “Jacob, lembre-sedo livro que você deve à Rondônia”. Mas Jacob não atendeu a reivindicação.Pouco escreveu, em relação ao muito que sabia. Hoje entendo a ausência do seulivro. É que o culto Jacob Atallah, criado nas barrancas do Madeira, não tinhatemperamento de se comprometer longo tempo com páginas escritas. Seu espíritoera livre, como livre é a cultura e a liberdade tinha para ele o sabor dafelicidade suprema.
Outro traço característico de Jacob Atallah: médicohumanitário, cumpria pontualmente os deveres compatíveis com a profissão,aliada a bondade, a fraternidade e a solidariedade com os humildes.
Como rondoniense que sou, sinto-me envaidecida pelotrabalho realizado pelo conterrâneo que acompanhou com dedicação e carinho meupai, seu grande amigo, Ary Tupinambá Penna Pinheiro, à época da doença quedeterminou sua partida. A amizade fraternal que os unia, encantava-me. Meu pai,quando Jacob foi candidato a prefeito de Porto Velho, se encontrava com a visãodeficiente, mas foi dar o seu voto com entusiasmo. Como não prestigiar o amigocandidato? Fez campanha, afirmando: “Acreditona sua honestidade e competência, recomendo que votem em Jacob”.
Por isso tudo, pela dívida de amizade, pela gratidão e oconvívio de muitos anos com Jacob Atallah, autorizo-me a escrever a expressão: “Foi uma vida fecunda, absorvida no bem e noestudo”.
*Yêdda Pinheiro Borzacov, da Academia de Letras de Rondônia, do Instituto Históricoe Geográfico de Rondônia, vice-presidente do Memorial Jorge Teixeira, daAcademia Histórica Militar Príncipe da Beira e colunista do site Gente deOpinião.