Abre-se a cortina do tempo e lembro-me daquele oficial doexército brasileiro, o último governador do Território Federal de Rondônia e oprimeiro do Estado, chegando ao aeroporto de Porto Velho, em um avião daCruzeiro do Sul, dia 10 de abril de 1979, anunciando que havia recebido “a missão de transformar o Território emEstado”...
Lembro-me que já no seu discurso de posse, o GovernadorTeixeirão, nome pelo qual os manauaras o chamavam, de imediato foi absorvidopelos rondonienses, resumiu em estilo próprio a sua futura administração: “aqueles que trabalharem comigo terão querezar pela mesma cartilha – Trabalho, Trabalho, Trabalho”.
Lembro-me do governador Teixeira, vestindo safari comotraje de trabalho e com boné vermelho, usado pelos paraquedistas (praticava oesporte), percorrendo toda Rondônia de helicóptero, em ritmo de trabalhoinfatigável... os motoristas das estradas o reconheciam em razão da bolhatransparente do helicóptero, pela boina vermelha e piscavam os faróis...
Lembro-me do governador Teixeira, audacioso nos seusplanos, administrando-os com perseverança e otimismo, mantendo sérios esquemasde controle das execuções, sempre atento às datas de conclusão e avaliação daqualidade...
Lembro-me do governador Teixeira, dotado de umdeterminismo e vontade férrea, jamais se deixando subjugar diante dasdificuldades, contornando-as, solucionando os conflitos, através de atitudesincisivas e corajosas, ligadas às suas maneiras de pensar, seus modos deagir...
Lembro-me do governador Teixeira fazendo Rondôniaexperimentar um enorme surto de progresso com as estradas abertas e que foramfundamentais para iniciar a consolidação do futuro Estado...
Lembro-me do governador Teixeira defendendo com firmezaos interesses de Rondônia e o carinho para com a sua gente... Não andava comseguranças... e as crianças ao vê-lo, corriam para abraçá-lo, gritando:“Teixeirão, Teixeirão”...
Lembro-me do governador Teixeira atraindo o povo, com aquelaextraordinária personalidade, de onde transbordava a esperança, a solidariedadee a capacidade de evolução...
Lembro-me que Rondônia, de 10 de abril de 1979 a maio de1985 era um canteiro de obras: Banco do Estado de Rondônia, Tribunal de Contas,Ministério Público, Poderes Legislativo e Judiciário, Ginásio de Esportes nosmunicípios, Universidade, Hidrelétrica de Samuel, Hospital de Base “AryPinheiro”, escolas dentre outros... Rochilmer Rocha o comparava “a um trator, removendo terra e construindo, mesmo que paraisso tivesse que atropelar burocracia e politicagem”...
Lembro-me do governador Teixeira, guardião do patrimôniohistórico material e imaginário de Rondônia, entendendo que a cultura, comoherança e trabalho... recuperação de 23 km da E.F. Madeira-Mamoré em PortoVelho... 5 km em Guajará-Mirim... restauração de locomotivas e outros materiaisrodantes e de prédios... a instalação do Museu Ferroviário com acervo de cercade 2000 peças... a criação do Arraial Flor do Maracujá e Mostra de Quadrilhas eBois-Bumbás... a criação e instalação da Casa do Artesão, no Plano Inclinado...o Centro de Documentação e Pesquisa Histórica... a recuperação do PostoTelegráfico de Rondon, em Ji-Paraná, para a implantação do Museu dasComunicações “Cândido Mariano da Silva Rondon”... a criação da Galeria Arte-Centro(o primeiro espaço concedido para o artista plástico expor suas telas)...homenagem aos músicos integrantes da banda de música da extinta GuardaTerritorial, entregando-lhes diplomas... avivaram-se em minha memória as maisbelas melodias selecionadas pelos já músicos velhinhos, tocadas harmoniosamentee com grande emoção, homenageando Teixeirão, tendo como cenário a praça dasTrês Caixas D’Água...
Lembro-me do governador Teixeira usando estratégiainteligente para atrair o médico Claudionor Roriz, militante do MDB – MovimentoDemocrático Brasileiro para presidente do PDS (ex-Arena), com a finalidade deorganizar o partido da direita e estruturá-lo nos municípios e distritos...para atingir seu objetivo, desviou o projeto da recém construída penitenciáriaem Ji-Paraná e com algumas adaptações destinou-a para um hospital (exigência deRoriz). Com o aval do Ministro da Justiça, o hospital foi inaugurado parasatisfação de Roriz, que duvidava que o hospital saísse...
Lembro-me do governador na eleição de 1982, dirigindo umamensagem ao povo rondoniense: “Ao entrarna cabine você estará julgando o meu governo. Se entender que estamostrabalhando, dê seu voto aos nossos candidatos”... e o resultado foi queelegeu os três senadores e das oito vagas a deputado federal, cinco foram seuscandidatos... o povo julgou seu governo com louvor e aplausos...
Lembro-me que o governador acompanhou o jornalistaAlexandre Garcia em sua visita a Rondônia, iniciando-a com um passeio na locomotivada E.F. Madeira-Mamoré e depois de helicóptero visitavam os municípios...Alexandre Garcia em seu livro “Nos Bastidores da Notícia”, lançado em 1990,dedica capítulo ao Estado, fazendo referência em um dos textos a Vilhena: “Entre a cidade e a divisa com o MatoGrosso, Teixeirão tem uma surpresa: a BR-364 está congestionada de caminhõesparados. Há centenas de caminhões atolados no barro. Teixeirão faz ohelicóptero pousar junto aos barracos da empreiteira que estava asfaltando aestrada.
— Onde está o engenheiroresponsável?
— Está na cidadealmoçando.
— Mas que almoçando? Oscaminhões atolados e ele almoçando? Os motoristas não estão almoçando; e eleestá almoçando, enquanto tem aqui este serviço porco? Eu quero ele aqui agora,passando as máquinas nesse barro!
Os motoristas se aproximam:
— Ele é o Teixeirão. János ajudou lá em Ji-Paraná, nos deu comida quando a gente estava atolado.
— Vocês não podem fazerum arroz com feijão para essa gente? Pergunta o governador ao capataz daempreiteira.
O Teixeirão falava comos pés enterrados no barro. A camisa já estava toda enlameada pelas mãos doscaminhoneiros que queriam cumprimentá-lo, tocar nele. Foi quando surgiu naboleia de um caminhão recém-chegado do sul uma mulher motorista, que gritou:
— Quem é esse cara?
— É o governador –respondem os motoristas.
— Ah! Diz a mulher comironia, é o governador deste lamaçal? A gente entra no seu Estado e dá com afuça neste lamaçal. Por que tem tanta estrada boa e quando a gente chega aquiencontra esta estrada horrível?
Teixeirão não perde ohumor:
— Pela mesma razão quetem mulher horrível como a senhora e tem mulher bonita. Mas a minha estrada temcura.
Os motoristas dãobarrigadas de rir em torno do governador, e a mulher sai dali, sem graça,patinando no lamaçal.
Logo em seguida, maissem graça, ainda, chega o engenheiro responsável.
— Que diabo de obra éesta? – pergunta o governador. Já tem gente perdida no cerrado, tentando evitara estrada.
— Mas eu estou esperandoo laudo técnico – tenta justificar o engenheiro.
— Mas que laudo técnico,homem? Nós estamos numa emergência, isto é uma guerra, e você vem me falar emlaudo técnico? Eu quero é ver estes caminhões saindo daqui agora mesmo. Vocêestá cheio de máquinas. Bote essas merdas para trabalhar. A riqueza tá aíparada, o pessoal está sem comer. Olhe, eu ainda vou até Colorado. Volto aquiàs quatro da tarde e não quero ver um só caminhão atolado. Quero a pistadesimpedida!
Às quatro da tardepassamos por lá, de volta. A porta de ligação de Rondônia com o resto do Brasilestava desimpedida. Aberta. Empurrada pelo peito do Teixeirão. Agora euentendia por que os faróis piscavam quando os motoristas viam o gorro vermelhona cabeça daquele gaúcho na cabine do helicóptero”.
Lembro-me do governador cujo desprendimento possessivoaos bens terrenos materiais e valorização ao próximo, fez com que presenteasseem 1984 o cadete Christómo de Moura (hoje coronel de engenharia, militar dareserva), com a própria espada de oficial do exército que carregou em sua vidamilitar, em face do cadete Christómo ter sido seu aluno do Colégio Militar emManaus e que se formaria naquele ano na turma de oficiais na Escola Militar deResende... sua família reside em Costa Marques... Teixeirão foi seu padrinho ea espada foi entronizada ao acervo do Memorial Jorge Teixeira, em solenidadeocorrida em 2016...
Lembro-me que a voz do povo consagrou o slogan “Teixeirão– Senador/1987”... a doença e sua partida para o Mundo Maior (apenas a cruelmoléstia o derrotou), impediram a realização do sonho de quase todos osrondonienses, sonho que era também o seu...
Lembro-me do governador que viveu intensamente Rondônia.Com ele encerrou-se o último capítulo da História dos bandeirantes nessasterras de Rondon...
Lembro-me que Manaus e, sobretudo Rondônia têm dívidaimensa com Jorge Teixeira, razão pela qual seus ex-assessores e amigos criarama Sociedade Jorge Teixeira, sem fins lucrativos, e instalaram a obraimperecível do grande governador e estadista... não se pode conceber a criaçãodo Estado sem Jorge Teixeira, presença marcante, presença renovadora...
Lembro-me do governador que com a saúde abalada, recusouo tratamento fora do Estado, afirma o médico Viriato Moura... desejava concluiro trabalho de solidificação de Rondônia... mesmo doente participava deatividades, não diminuindo o ritmo de trabalho...
Lembro-me do governador já com a doença avançada, no Riode Janeiro, em 1987, ao visitá-lo, perguntava com voz firme e forte pelosprojetos culturais que estávamos desenvolvendo, sobretudo na E.F.Madeira-Mamoré. Não lhe ouvi uma palavra de amargura (encontrava-se em umacadeira de rodas); não lhe ouvi uma queixa. Era um estoico. Em momento algumdemonstrou arrependimento pelos sacrifícios que havia feito. Sua aparência erafrágil, mas sempre sorrindo.
Lembro-me do governador que no dia 28 de janeiro de 1988partiu para o Mundo Maior, pobre de bens materiais, mas deixando seu nomeeternizado na memória da História de Rondônia – exemplo edificante para asnovas gerações...
Testemunha da transformação do Território em Estado,afirmo categoricamente que depois de Aluízio Pinheiro Ferreira, nenhumgovernante o superou na tarefa de servir ao povo, com desprendimento,determinação e sem laivos de bajulação ou queima de incenso aosparlamentares...
O privilégio de tantos anos de trabalho na área culturale de amizade com o governador Jorge Teixeira e com a sua esposa, dona Aída,dá-me razões de todas ordens que mais que justificam, tornam imperativa estacrônica, referente a um ser humano pleno de dignidade, generoso, solidário,humano, amigo e leal.
Ao Governador Teixeira, o respeito que lhe tive, sempreterei.
Lembro ainda que o governador Teixeira, prossegue o seutrabalho no Mundo Espiritual, construindo algo e ajudando com certeza o Estadode Rondônia.
Selva, Teixeirão!
NOTA: Quanto aos 96 anos de nascimento doCel. Jorge Teixeira, a 17ª Brigada de Infantaria de Selva Forte Príncipe daBeira, recordará as virtudes cívicas no dia 2 de junho, às 8h30, do oficial egovernador de Rondônia, vitorioso em todas as atividades que empreendeu.
*Yêdda Pinheiro Borzacov, da Academia de Letras de Rondônia, do Instituto Históricoe Geográfico de Rondônia, vice-presidente do Memorial Jorge Teixeira, daAcademia Histórica Militar Príncipe da Beira, colunista do site Gente deOpinião e do jornal Alto Madeira.
Governador Jorge Teixeirade Oliveira, Isaias Vieira e Yêdda Pinheiro Borzacov, mostrando obras de artena galeria Arte-Centro. Foto: Arquivo Pessoal/Yêdda Borzacov