Lúcio Albuquerque[email protected]Consultor: Abnael Machado de Lima, professor, historiador, membro da Academia de Letras de Rondônia e do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia
Eu vim de carona na última viagem de litorina
O comerciário aposentado Graciliano Maia é filho de um dos muitos ferroviários da Madeira-Mamoré que viviam e trabalhavam em Guajará-Mirim, ponto terminal dos mais de 300 quilômetros que interligavam aquela cidade ao ponto inicial, Porto Velho.
Ele costumava viajar no trecho, o que faziam também uma grande parcela de moradores das duas cidades e dos que residiam e trabalhavam ao longo da ferrovia, com uma diferença: seu pai era chefe da estação do trem em Guajará-Mirim, função que o fazia ser representante da administração da estrada de ferro e, por isso, ele sempre se deslocava numa das litorinas, um veículo sobre os trilhos, mas muito mais confortável e, ainda, quatro vezes mais rápido.
Litorina: mais conforto e velocidade que o trem (amantesdaferrovia.com.br)A litorina, conforme muitos jovens da época em que ela funcionou, era muito usada não só pelos funcionários “categas”(*) da Madeira-Mamoré, mas também por outras pessoas e para os jovens que arrumavam namoradas ou iam a festas realizadas nas pequenas comunidades à margem da estrada. Era uma questão de status.
“O coronel Oliveira, diretor geral da Madeira-Mamoré àquela época, todos os meses saía de Porto Velho até Guajará-Mirim, leando uma enorme caixa dentro da qual, bem arrumados, iam os envelopes de pagamento, com dinheiro dentro porque não havia bancos, dos funcionários das estações do trem e do pessoal da estação de Guajará-Mirim”.
Era um serviço comum, mais um apenas desde quando a ferrovia começara a funcionar, há 60 anos passados, só que o pagamento daquele mês de junho trazia uma orientação diferente no olerite dos ferroviários: eram informados sobre seus direitos trabalhistas e orientados sobre aposentadoria ou remoções.
Graciliano recorda que, depois de feito o pagamento dos ferroviários em Guajará, o coronel Oliveira mandou que cortassem vários pedaços de dois metros de comprimento de trilhos e embarcar um soldador e sua máquina de soldar, além de dois funcionários, e todos viajaram na litorina dirigida pelo ferroviário Afonso Johnson, cujo pai, o mestre Norman Johnson tinha sido implantador do sistema de telefonia entre as estações da EFMM.
“A partir de quando a litorina saiu, em meio à consternação geral na cidade, ele mandava parar o transporte e soldar atravessado nos trilhos um pedaço de vergalhão, para evitar que alguém quisesse sair com uma composição, isso até no bairro do Triângulo em Porto Velho”.
Ele recorda que quando a litorina parava os moradores do entorno se reuniam e muitos choravam ao saberem que o trem nunca mais iria voltar. “Uma coisa que me chamou a atenção foi a frieza do coronel Oliveira, mesmo sabendo que muitas daquelas famílias ficariam isoladas e nem poderiam vender mais seus produtos, porque dependiam do transporte do trem”.
Ao chegar a Porto Velho o clima era de imensa tristeza. “Parece que todos moradores estavam avisados. Os ferroviários fizeram apitar as máquinas durante muito tempo, e era um lamento muito triste, não dá para esquecer”.
O fim da ferrovia, conforme Graciliano Maia, representou também o fim de muitas comunidades cujos moradores eram responsáveis pela produção de bens de consumo que abasteciam os dois maiores centros urbanos da estrada, Porto Velho e Guajará-Mirim, que recebiam o “trem da feira”, vagões onde viajavam o gado a ser abatido, a produção de verdura, legumes, grãos e outros.
(*) – Categas – expressão usada para identifica funcionários da administração superior da Madeira-Mamoré.
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