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O QUARTO DE MINHA MÃE
17 de  outubro de 2024 | Autor : Sandra Castiel | Fonte : Sandra Castiel


                                               Sandra Castiel

Ela não era fumante, nunca foi, ese casou com meu pai, que fumava desde a meninice. Ela passava mal com o cheiroforte do cigarro impregnado nos lençóis e nas cortinas do quarto na casaantiga.  Até que um dia ele resolveu semudar para outro quarto mais espaçoso onde podia fumar, alternar o sono entre acama e sua inseparável rede.

Lembro-me dele deitado em suarede, fumando, rodeado pelos livros de bolso que costumava ler, espalhadossobre o chão de taco encerado: histórias de faroeste, dos tiroteios entre oxerife e os bandidos que atacavam as diligências e assaltavam o banco das cidades.Assim era meu pai, amante das pequenas distrações da vida.

O Quarto Dela

O quarto dela não era grande, masera um espaço mágico, pelo menos para sua quinta filha: cor neutra nas cortinasde seda que cobriam a parede da janela, de onde se podia ver uma parte doquintal, ouvir o som de um pequeno olho d’agua, rodeado de samambaias no chão;tudo sob a sombra de uma mangueira, morada de dezenas de passarinhos.

A cama era delicada:  brocados em veludo verde, e arabescosentalhados em madeira compunham a cabeceira; o colchão era forrado com tecidonobre e discreto pois a dona do quarto era avessa a babados.

Havia ainda no quarto uma pequenamesa de cabeceira com um abajur para garantir luz baixa durante o sono, e umacômoda com espelho onde ficavam as roupas.

Certa tarde ao entrar na casa epassar em frente àquele cômodo, vi uma mulher penteando-se diante do espelho dacômoda de minha mãe, de costas para mim; ela era morena e tinha os cabelosescuros e longos; falei com ela, achando que fosse minha irmã Mariza. Ela nãorespondeu e saiu pela outra porta do quarto, que se comunicava com o quarto domeu pai. Eu a segui, mas ela havia sumido. Só então percebi que não havianinguém em casa. Senti arrepios, seria uma aparição?

Aquele quarto guardava “tesouros”não materiais, inimagináveis, certamente trancados na escrivaninha do início doséculo XX, que minha mãe adorava. Pequenina, a escrivaninha era uma peça linda,rara e preciosa: antiguidade francesa, madeira maciça, com trabalho emmarchetaria e abertura sanfonada.

Sempre que eu estava triste eangustiada, dava um jeito de ir até o quarto de minha mãe, deitar-me em sua cama,ouvir o barulho da água corrente e o canto dos passarinhos. Saía dali renovada poraquela energia cheia de magia.

A propósito: apequena escrivaninha francesa continua intacta, em minha casa; guardo-a commuito carinho.

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