DISCURSO DE POSSE
NA ACADEMIA BRASILEIRA
DE MÉDICOS ESCRITORES
VIRIATO MOURA
RIODE JANEIRO, 27 DE SETEMBRO DE2024
Ilustríssima Senhora Presidente da AcademiaBrasileira de Médicos Escritores, Doutora Fátima Darcinete de Almeida Ribeiro,na pessoa de quem saúdo as confreiras e os confrades aqui presentes.
Senhoras e senhores.
É com grande honra que tomo posse na AcademiaBrasileira de Médicos Escritores (Abrames), formada por nomes maiúsculos damedicina e da literatura brasileiras.
Ao ocupar a cadeira nº 14 deste sodalício,começo recordando e reverenciando meus antecessores.
O patrono: Adão Manoel Pereira Nunes, nascidoem Campos do Goytacazes, Rio de Janeiro, em 21 de janeiro de 1909, e falecidoem 13 de abril de 1985, foi médico-cirurgião, político, jornalista, romancistae memorialista.
O fundador: Paulo Celso Uchôa Cavalcante,pernambucano nascido em 3 de fevereiro de 1909, graduado pela Faculdade deMedicina da Universidade do Rio de Janeiro, em 1931; foi chefe do Serviço deClínica Médica do Hospital Miguel Couto, segundo presidente da SociedadeBrasileira de Geriatria e Gerontologia, de 1965 a 1968. Traduziu diversas obrasmédicas importantes e foi coautor do tratado Clínica Geriátrica (1975). Fundou, em 26 de maio de 1989, a cadeiraque ocuparei a partir de hoje.
O segundo ocupante: Hugo Miyahira, nascido em25 de setembro de 1943, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul; formou-se naFaculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1968. É especialista em ginecologiae obstetrícia; fez mestrado e exerceu a docência até galgar a função deprofessor titular em sua especialidade. É membro efetivo de várias entidadesmédicas. Escreveu capítulos de livros de medicina, publicou diversos artigoscientíficos e obras de literatura não médica, tendo recebido honrarias degrande significância. Domiciliou-se em Porto Velho, onde moro, exercendo amedicina com reconhecida competência durante o período de 1971 a 1976.
Os dados biográficos citados me foramgentilmente cedidos pelo doutor Helio Begliomini, memorialista de nomeada,membro desta Academia.
A literatura, arte da linguagem verbal,expressão do intelecto por meio da palavra, desempenha papel fundamental naconstrução do homem como sujeito e cidadão e agrega apreciável e dignificante importânciaàqueles, como os membros desta Academia, que, além de contumazes leitores,também são escritores, dedicados à prosanarrativa ou à poesia.
Tamanha é a relevância da literatura que,desde o Egito Antigo, as bibliotecas eram chamadas de "casas devida". O faraó Ramsés II, que reinou entre 1279-1213 a.C., mandouinscrever no frontispício de sua biblioteca: “Remédios para a alma”. JohannGoethe, polímata e estadista alemão, destacou queo declínio da literatura indica o declínio de uma nação. Louis Aragon, poeta,romancista e ensaísta francês, reitera a importância dessa assertiva aoescrever: "A literatura é um assuntosério para um país, pois é, afinal de contas, o seu rosto".
Ao mesclarconhecimentos e prática médica ao estudo e às produções que demandam imaginaçãocriativa — no meu caso, literatura e artes plásticas —, é possível penetrar emrecônditos da natureza humana, tão rica e complexa que precisam ser maisesmiuçados pelo médico para que obtenha os melhores resultados de sua atuaçãoprofissional.
Feito esse introito, é premente que eu cumpra meu dever de gratidãoàqueles que, durante minha extensa jornada, ajudaram-me a chegar até ondecheguei.
Jean de La Bruyère, moralista francês, escreveu, em seu livro Os Personagensou Costumes deste Século, publicado em 1688, a poética frase: "Não há no mundo exagero mais belo que a gratidão".
Neste momento, é justamente esse sentimento que clama por expressãoem mim. Para fazê-lo, valho-me da cronologia da minha trajetória na tentativade ser justo com pessoas, lugares e instituições que dela fizeram parte atéagora. Como essas pessoas são tantas, desde logo, desculpo-me por não nomeartodas.
Tive a ventura de terascendentes que me transmitiram genes de aptidões artístico-literárias: minhamãe, Maria de Lourdes, esmerada artesã; meu pai, Adelino Moura, estudioso dalíngua portuguesa, autor de quatro livros e premiado pintor em estiloacadêmico; meus avós, José Moura e Maria Silva, leitores habituais, e meubisavô materno, Hilário Silva, inspirado poeta. A todos eles, gratidão esaudade.
Embora tenha vivido poucotempo em Xapuri, no Estado do Acre, não poderia deixar, numa ocasião como esta,de manifestar meu apreço e meu orgulho por ter vindo ao mundo naquele pequenomunicípio dos confins do Brasil.
À guisa de homenagear meus conterrâneos quefizeram meu berço mais conhecido e enaltecido mundo afora, cito alguns daquelesque se tornaram personalidades exponenciais da nossa história: Chico Mendes,seringueiro, sindicalista e ativista político, lutou pela preservação da maiorfloresta tropical do mundo, a Amazônia, e pelos direitos de seu povo, o que ofez pagar com a própria vida; Adib Jatene, médico, professor doutor, inventor eministro da Saúde por dois governos.
Quandoeu tinha apenas dois anos e meio de idade, minha família mudou-se para PortoVelho, capital do então Território Federal do Guaporé, atual Estado deRondônia, cujo nome homenageia o Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon,engenheiro militar e sertanista brasileiro, famoso por sua exploração daAmazônia, mormente por instalar a rede de telégrafos em regiões interioranas doBrasil e por consignar apoio vitalício às populações indígenas, entre tantosoutros feitos que o alçaram ao pódio dos maiores heróis da nossa pátria.
Rondôniaé um estado que, em seus primórdios, de 1907 a 1912, foi palco da maior epopeiado século 20, a construção da lendária Estrada de Ferro Madeira‒Mamoré, hercúlea empreitada em que trabalharamegressos de mais de 50 nacionalidades, muitos dos quais pereceram ante àsintempéries que lhes foram impostas pelas inóspitas condições de onde aconstruíram: clima muito quente e úmido, doenças tropicais, principalmente, amalária, a que mais matou, e ataques de índios e animais selvagens, entreoutras. Foi nesse longínquo pedaço do Norte brasileiro, terra de destemidospioneiros, que iniciei minha busca de conhecimentos.
Tomado por afetivas recordações, manifestomeus agradecimentos àqueles que muito contribuíram com minha formaçãointelectual e cidadã: às minhas primeiras professoras, Noêmia e Osvaldina; aospadres salesianos do Colégio Dom Bosco, de Porto Velho; aos irmãos maristas doColégio Nazaré, em Belém do Pará, e aos professores da Faculdade de Medicina daUniversidade Federal do Pará.
Quantoà especialização médica, cultivo boas lembranças dos dias profícuos quevivenciei nesta encantadora cidade do Rio de Janeiro, quando aqui fiz internatoe residência médica em ortopedia no Hospital de Traumato-Ortopedia (HTO), de1974 a 1976. Nessa unidade de referência em minha especialidade, fui escolhidopor meus colegas, com endosso da direção do hospital, para ser Chefe dosMédicos Residentes. No HTO, hoje, denominado Instituto Nacional deTraumatologia e Ortopedia (INTO), tive a oportunidade de promover, em 1976, comapoio dos preceptores daquele nosocômio, a 1ª Jornada de Médicos Residentes emOrtopedia do Rio de Janeiro.
No HTO, convivi com mestres que me prepararampara o enfrentamento dos obstáculos que adviriam ao longo das muitas décadas emque atuei como ortopedista e como administrador na área de saúde, em hospitaispúblicos e privados. Em nome doprofessor doutor Oscar Rudge, diretor-geral do referido hospital, expresso meureconhecimento e estima a toda sua equipe.
Ainda aqui no Rio, aproveitei o período noturno para meespecializar em Medicina Esportiva, na Universidade Federal do Rio de Janeiro,e em Medicina do Trabalho, na Universidade Gama Filho.
Por tudo isso, muitoobrigado, Rio de Janeiro.
Concluído esse ciclo de aprendizado, retorneia Porto Velho, onde fui instado a conviver, por muitos anos, com limitações demeios para prestar adequada assistência médico-hospitalar, principalmente, nasespecialidades que exigiam estruturas mais complexas, como a minha.
Essascondições adversas somente mudaram com a inauguração, em janeiro de 1983, doHospital de Base Ary Pinheiro, que nos disponibilizou estrutura qualificada, umcorpo médico com a presença de maior número de especialistas, além de umaequipe mais diversificada de profissionais de saúde.
Naquele histórico momento, fui escolhido pelosaudoso governador Jorge Teixeira de Oliveira, construtor do HBAP, para ser oprimeiro diretor-geral daquele gigantesco complexo hospitalar, então com quase400 leitos e 1.200 funcionários.
Por isso, agradeço ao estimado Teixeirão por ter tido aoportunidade de participar de sua equipe e daquele período de progresso namedicina rondoniense.
Até hoje e, certamente, para sempre, o povo de Rondônia reverenciaráa memória desse eminente homem público que beneficiou os cidadãos do nossoestado com a instalação de um hospital à altura de prestar atendimento comeficácia e recursos apropriados.
Como docente, lecionei na Fundação Centro de Ensino Superior deRondônia (Fundacentro), uma extensão da Universidade Federal do Pará, em PortoVelho, semente que originou a Universidade Federal de Rondônia (Unir). Ministrei, no curso de Licenciatura em EducaçãoFísica, — naquele tempo, ainda não havia faculdade de medicina em Rondônia —aulas de anatomia, fisiologia e cinesiologia.
Minha gratidão aos alunos da primeira turma do referido curso pelaescolha do meu nome para ser seu patrono. Meu reconhecimento a Euro TourinhoFilho, pelo que fez pela instalação do ensino superior em Rondônia quandoocupou a presidência da Fundacentro e, em seguida, durante sua gestão comoprimeiro reitor da Unir.
Sou grato ao acadêmico Samuel Moisés Castiel Júnior, ocupante daCadeira nº 23 na Abrames, dileto amigo, parceiro em embates classistas e emproduções literárias (publicamos 3 livros juntos), pela sugestão e peloincentivo para que eu concorresse a uma vaga nesta Academia.
Agradeço, finalmente, ao Conselho Regional de Medicina do Estado deRondônia (Cremero), por me conceder sua mais elevada honraria, a Comenda Dr.Ary Tupinambá Pena Pinheiro, em 2018, e aoConselho Federal de Medicina (CFM), pela outorga da Comenda Moacyr Scliar —Medicina, Literatura e Artes, em 2023, a mais expressiva homenagem prestadapela instituição a médicos escritores e artistas, e à Faculdade Instituto Riode Janeiro, pela outorga, em 2024, do título de Doutor Honoris Causa.
As honrarias que tenho recebido premiam a afeição e a dedicação quetenho devotado à medicina, à literatura e às artes. Foram os meus pendoresliterários e artísticos que validaram em mim a antológica frase de AlbertEinstein, escrita em seu livro Sobre Religião Cósmica e outras Opiniões eAforismos: "Aimaginação é mais importante que o conhecimento, porque o conhecimento élimitado, ao passo que a imaginação abrange o mundo inteiro". Um dos principais nomes da literatura lusófona, Fernando Pessoa,acrescentou a essa dedução a via sensorial das percepções humanas: "A ciência descreve as coisas como são, a arte, como são sentidas,como se sente que são".Spinoza, filósofo racionalista holandês, um dos meus favoritos, escreveu que "existe um mundo de coisas perceptíveis pelos sentidos e um mundo deleis inferidas pelo pensamento".
É oportuno reiterar que muitas descobertas científicas foramintuídas pela imaginação — obras de ficção científica reforçam ainda mais essaideia. O poeta americano Ezra Pound escreveu que os artistas —categoria em que se incluem os escritores — são a antena da raça, porque elesparecem possuir uma habilidade intuitiva que extrapola os caminhosconvencionais de produção do conhecimento e fazem conjecturas da realidade semamarras nem pressões.
Desde os tempos de Hipócrates, era comum chamar a prática damedicina de "artemédica". Arte que o pragmatismo dos avanços científicostransformou no binômio indissolúvel "ciência e arte".Ciência que busca dar sustentação lógica a seus saberes teóricos e práticos, earte que requer sensibilidade para perscrutar os anseios mais íntimos de um serhumano que sofre.
Em todas as épocas, mormente naquelas mais turbulentas como a queora vivenciamos, é justo dizer que a dedicação de médicos à produção literáriaos coloca num patamar diferenciado como formadores de opinião. Como médicos, pordever de ofício, orientam seus pacientes nas questões de saúde, contudo, sendotambém escritores, magnificam essa responsabilidade coletiva ao tentaremconscientizar, com fundamentos éticos e positivos exemplos pessoais, premissasque devem ser divulgadas, defendidas e praticadas para a construção de um mundomelhor.
Concluo declarando e assinando embaixo que, ao ocupar a cadeira nº14 desta insigne instituição literária, faço-o movido pela determinação decontribuir, da melhor forma que puder, para que os objetivos da Abrames sejamalcançados.
Pelaatenção, muito obrigado.